segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

PROBABILIDADE

Ele viu num filme* o personagem dizer:

- 2000 dólares. Eu dou 2000 dólares pra quem apontá-la assim e disparar.

Era Michael Cera sendo ele mesmo e dizendo algo próximo disso com uma arma apontada na parte de baixo do maxilar pra ilustrar a frase para os amigos, numa festa. Estava proposta a roleta russa.
Ele resolveu imitar. Tinha muita grana pra gastar, tinha quem chamar e tinha uma arma. Só precisava agora da festa.

Ele era quase inteligente. Faltava o bastante pra que cogitasse aquela ideia do filme. Coitado. Era bom, um bom garoto, como diziam as tias. Mas era playboy, e isso estragava. Porque há dois tipos de playboy: o que todos querem ser, e o que ele era. O verdadeiro. O que todos querem ser é o cara que tem tudo o que quer, é rico e bonito, mas é na dele. Tem uma vida. Mas Ele era o verdadeiro. O que todos querem ser, mas com alguns bônus: era esnobe e arrogante, e precisava de atenção. Ah e de brinde, é claro, a famosa solidão.

Feita a introdução, vamos a ele. Ele.

Bem, Ele a carregou. Colocou a única bala, chamou os amigos e comprou bebida o suficiente pra que pudessem se justificar se fossem mais estúpidos. E eles vieram. Todos estavam lá, e eles riam, e como riam! E Ele ria junto. Ria... aquela tristeza disfarçada de riso forçado. Ele era tão só. Mas tão sóoo. O clichê do “tinha tudo e não tinha nada” se encontrava sentado no sofá, semi-presente. Mas de repente ele levantou, como saído de um transe. Hora do show.
Não estava bêbado, mas fez que estava. Era mais fácil e menos doloroso assim. Vai que rissem dele. Ele pegou a arma de dentro da calça e fez a oferta que Michael Cera tinha proposto. Só que aumentando a quantia.

- Dez mil. Dez mil pra quem tiver coragem. – Falava com a arma apontada para a própria cabeça, como se aquilo o fizesse mais viril.
Eles riram. Mas não, não dele! Riram de felizes. “Dez mil, assim fácil?” Acho que não ouviram a parte em que deveriam apertar um gatilho.

Um boboca metido logo aceitou e gritinhos de preocupação foram ouvidos das tietes do galãzinho. “Não fulano, cuidado!”, “Ai meu Deus”, e todas davam risadinhas depois.
Ele pegou o revólver, mas antes olhou para o anfitrião, e deu uma piscadela, sorrindo “Dez mil, hein!”. Meio hesitante, disfarçava o medo. Suava frio, mas apertou.

- Clic – UFA, estava vivo. Que sorte a dele! E logo tratou de relembrar “Dez mil, camarada! Dez mil!” E correu pra roda de cocotas que o esperava. “Ai, fiquei tão nervosa!” E o abraçavam e davam tapinhas de repreensão.

O dono da casa sorria com o sucesso da idiotice. Mais outro resolveu tentar. – Clic – Mais outro que saía vivo. Mais dez mil pra ele, menos dez mil pra Ele.
E todos riam de alívio. Que sorte nós temos! Então Ele declarou solenemente:

- Bebamos senhores! Depois continuamos. - E guardou a arma numa gaveta no canto da sala.

A festa continuava, e Ele lá, nela, mas fora dela, indo, meio anestesiado, absorto. Ele pensava no jogo, até que como por sintonia um dos amigos, de cima da mesa de centro com uma garrafa numa mão e a outra apontando em sua direção, soltou:

- Hey, sua vez! – intimou e riu, ébrio que estava.

Ele então despertou e com um sorriso de lado nem pestanejou. Abriu a gaveta e calmamente pegou a bala pra preparar o revolver. A pegou e mostrou ao amigo, sorrindo, como dizendo “Aqui está”. O barulho do pente girando era assustador.

- Uma chance em oito hein! – e deu a mesma piscadela do primeiro, e gargalhou. - Dez mil de mim pra mim, pensou.
Apontou e apertou.

Ninguém riu. Ficou pra sempre devendo o dinheiro da aposta.

No mês seguinte o irmão foi tirar as coisas do apartamento e abriu aquela gaveta. Lá havia uma arma, com uma única bala. A que ele tinha segurado era outra e nessa falta só uma. A que completava um pente cheio. É, foi tudo um pretexto.



* The End of Love - Direção: Mark Webber

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