domingo, 10 de fevereiro de 2013

PONTO

Eu a via todos os dias. Ou melhor: eu mudava meu caminho para poder vê-la todos os dias. Ela estava sempre impecável, delicada e era como se as roupas daquela loja tivessem sido feitas inspiradas nela. Eu sempre dava um jeito de entrar lá, mas nunca tive a coragem, ou talvez a audácia de lhe dirigir a palavra. Nem um “Oi”. Acho que audácia é mesmo a expressão ideal. Ela parecia boa demais para mim. O que veria em um cara simples como eu, que não tinha dinheiro para comprar nem o lenço mais mixuruca que vendiam lá. Eu era um cara sem... marca.

Ela era linda; pele de porcelana: branca e lisa, cabelos castanhos e ondulados, sempre arrumados do mesmo jeito. Um jeito que emoldurava seu rosto digno de Champs Elysees. Esguia e alta. Uma modelo sem passarela.
Mas ela nem me notava. Nunca me notava. Esse meu platonismo já durava dois anos, e as vendedoras todos já estavam fartas de mim. Quando eu entrava na loja me olhavam com cara de “lá vem o pobretão que não compra nada”. Eu já sabia todos as cores de cor, modelos e preços de tudo o que era vendido lá. Talvez me dessem um emprego se eu pedisse. Mas eu nem ligava. Só ela me importava. Eu podia entrar na loja quantas vezes me desse na telha, certo? “Estamos em um país livre!”. Livre ou não, o país nem ligava, e muito menos ela. Ainda não me via. Fingia não me ver, era o que eu pensava. Mas não era esnobe. Não era não! Era tímida, a pobrezinha. É que ela era tão exuberante que as outras ao redor se apagavam e ela se constrangia. Não havia espaço pra outras. É, era isso.

Além do mais ela estava sempre sorrindo. Sempre! E isso me conquistava, e me angustiava. Como e quando a teria? E SE teria. Era essa a questão. SE. Eu a amava sem nunca ter sido considerado! Mas que fazer. Se ela era tímida, eu era um banana.
Um dia, porém, meu mundo caiu.

Em mais uma das minhas visitas o aviso “Passa-se o ponto” surgiu na porta da loja. Iria fechar. Meus Deus, iria fechar e eu nunca mais tornaria a espioná-la, quer dizer... a vê-la. Eu precisava pensar em algo, e rápido! Precisa de um plano. Uma A, um B e um C. Sabe-se lá quando aquela loja de roupas se tornaria uma vidraçaria ou um cabeleireiro. Poderia ser no dia seguinte e então minha musa das roupas finas e olhar fugitivo também iria, para sempre, com lenços e documentos que eu nunca conheceria. Iria vestir outras roupas, em qualquer outro lugar, quem sabe com outro “eu” por perto. Só de pensar, meu coração tremia.

Então tomei uma decisão. No dia seguinte fui visita-la como sempre. Como sempre, entrei na loja e não lhe disse nada. E como sempre as vendedoras me fulminaram. Mas não como sempre, eu me aproximei. A agarrei. De um jeito certeiro e rápido. A coloquei nas minhas costas e saí correndo. Ela estava dura. Não dizia um A. Ouvi alguns “louco!” vindo das loja, mas segui em frente. Eu não pensava em nada que não fosse o caminho mais curto pra chegar em casa. Eu disparei. Não morava muito longe e quando cheguei a porta já estava aberta. Eu tinha planejado tudo. Então a soltei, meio constrangido. Não consegui olhá-la a princípio. “Sou Lúcio, e bem...desculpe. Muito prazer.” Apresentação idiota. Ela não dizia nada, continuava impecável, esguia, austera e porcelana. Mas também não foi embora. Sorria. Sempre.

Desde aquele dia vivo feliz com a mulher que amo. A mulher dos meus sonhos. A visto todos os dias com as roupas mais bonitas que encontro. A mulher de nenhuma palavra e só sorrisos. A tirei daquela vitrine para nunca mais devolver. Minha porcelana.

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