quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

HOSTIL

Seu olhar me era seco. Cortava. Sua postura, austera, o queixo lá no alto. Esnobava. Dirigia-se a mim com altivez. Diminuía. Algo nela me repelia, depreciava. Hostil, ela era. Isso me incomodava. Logo eu, que nunca havia lhe feito mal algum. Que sempre a tratei como trato a todos. Não entendia essa atitude, essa escolha. Por que a mim?
Pisava firme quando vinha em minha direção, trotava. Fazia questão de me ultrapassar, de esbarrar em mim, só pra me provocar. Eu não entendia aquilo. Não reagia. E isso só piorava.
O que antes era sutil passou a ser direto. Na cara dura. Me criticava: a mim, meus modos, minhas ideias, minha presença ali. Que inferno! Tudo isso foi me dando ânsia. Uma sensação de não querer ser, já que a alguém eu tanto desagradava. Mas eu me recusava, conflitava: eu não podia fazer isso comigo. Então eu fui me transformando, e eu que nunca partilhei da vingança, esse vício, passei a revidar.

Ela me feria com o olhar, mas agora eu cortava mais fundo. Íris de lâmina. Eu sabia que ela vinha pra trombar em mim, e quando vinha, eu enrijecia e doía nela. Carne de pedra. Passei a fazer tudo melhor, melhor que ela. Não podia mais me criticar. Eu rebatia ignorando. Se ela tentava, falhada. Minha arma era calada.
E ela foi definhando. Diminuindo como a mim fazia. Agora ela me evitava. Não havia mais espaço para ela na minha antiga angústia porque o meu ego tinha tomado todo o lugar. Eu a queria cada vez mais longe e menor. E eu agora conseguia. Conseguia afastá-la com a, agora minha, altivez. Eu não precisava mais entender o porquê de sua ação porque eu havia achado a solução: minha postura agora era de fel, amarga. Tudo isso me causava um sentimento estranho. Não me felicitava exatamente, mas trata-la assim me tomava e cada vez que eu via seu olhar baixo passar junto ao meu altivo, eu enchia o peito. Um meio sorriso surgia no meu rosto, um sorriso de satisfação.

Era como se ela houvesse sumido. Um fantasma vagando ante a minha presença, ante o meu ego engrandecido. Será que eu estava sendo muito cruel, cru em exagero? Não, não estava. Eu havia suportado, tímido, por tempo demais. Minha mudança era mais do que justa. Minha resignação se dobrava em hostilidade, e agora eu a devolvia mais dura. Eu percebia a minha transformação, clara e seca. Estava latente em mim: eu havia mudado como nunca pensei que poderia mudar. A diferença era notável. E apesar de ser direcionado somente a ela, tudo o que a isso se relacionava tinha que vir primeiro. Minhas ações no trabalho visavam a, antes de tudo, atingi-la, e se assim não resultassem, eu agiria de outra forma até que conseguisse, nem que fosse minimamente.
E eu continuava a analisa-la, sempre. Ela não me dirigia mais a palavra, não porque quisesse assim, mas porque não conseguia. Se antes o fazia, falava de mim, para mim, e era eu que mudo permanecia. Agora, a mudez era dela, sem que para isso eu tivesse precisado me desfazer da minha. E se antes esta era fruto da intimidação, agora era do desprezo.
Mas de repente ela voltou a mudar. Conforme eu fui encrudescendo, parecia que ela ia... suplicando. Suplicando pela minha atenção. Ela pedia silenciosamente pra que eu não a ignorasse mais, mas eu já havia aprendido a não vê-la. A forçar seu esquecimento. E ela tinha sentido isso, como um baque. Por isso voltava a falar em minha presença, não para me diminuir, como antes, mas como que pra que a incluísse novamente na minha percepção. Sua opacidade voltava. Se expressava, esbarrava em mim, me observava, voltava a falar coisas sobre mim, seu olhar me perfurava. Mas não como antes. E eu entendi. Me amava.

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